Violência de Gênero

Resumo de Política Pública #04

Violência de Gênero

A violência de gênero é presente em diversos países, sendo resultado de uma interação complexa de fatores sociais, individuais, culturais e de relacionamento. Podemos defini-la como uma série de “ações violentas que recaem sobre a mulher, como violências físicas, sexuais, psicológicas, matrimoniais ou morais, tanto no ambiente privado familiar, como também em espaços de trabalho e públicos.

Nos casos fatais de violência física, é importante fazer a distinção entre homicídios de mulheres e feminicídio. Este último é o homicídio doloso praticado contra a mulher por razões de sua condição feminina, quando se considera que a pessoa do sexo feminino tem menos direitos do que as do sexo masculino. O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de feminicídio, segundo dados da ONU de 2017. No que se refere aos homicídios de mulheres, 4.519 mulheres foram assassi-nadas no Brasil em 2018 – uma a cada duas horas. Se considerarmos gênero e raça, vemos que a mortalidade de mulheres pretas e pardas é maior do que a de mulheres brancas e segue aumentando. Entre 2008 e 2018, a taxa de homicídio de mulheres brancas, amarelas e indígenas caiu 11,7%, enquanto a taxa entre mulheres pretas e pardas aumentou 12,4%˝. Em alguns estados, a quantidade de homicídios de mulheres pretas e pardas chega a ser até 7 vezes maior, como foi o caso de Alagoas em 2019. 

A violência física ocorre com alta frequência no ambiente doméstico e é praticada, majoritariamente, por pessoas conhecidas ou íntimas das vítimas. A Lei Maria da Penha (11.340/2006) foi um marco no reconhecimento institucional do problema e, quase 10 anos depois, a Lei do Feminicídio (13.104/2015) fortaleceu o aparato jurídico para enfrentá-lo. Apesar desses esforços terem sido feitos nos últimos anos para reduzir a violência contra a mulher, esse ainda é um grande de-safio para o Brasil e o atual cenário de pandemia agravou ainda mais a questão. Fatores como isolamento social, impactos negativos na renda da família com a crise econômica e sobrecarga de trabalho são alguns agravantes de violência contra às mulheres.

Ainda sobre violência doméstica, há uma série de estudos sobre os efeitos da renda na existência de Violência Entre Parceiros (Intimate Partner Violence ou IVP, em inglês) que testam uma série de teorias sobre as consequências da redução da diferença financeira entre homens e mulheres. Dentre os estudos realizados em países de renda média e baixa, a maioria indica que programas de transferência de renda (condicionais ou não) reduzem esse tipo de violência por meio do empoderamento de mulheres e redução da tolerância por violência, havendo ainda efeitos de transbordamento para domicílios que não recebem o auxílio através de uma mudança na percepção da comunidade sobre esse tipo de crime.

Para além dos crimes já abordados, a violência sofrida pelas mulheres nos espaços públicos carregam suas especificidades. A título de exemplo, estimativas de estudo feito na Supervia (Rio de Janeiro) no período pré pandemia apontaram que cada usuária de transportes públicos sofria assédio aproximadamente uma vez por semana nesse espaço. Con-siderando que nem todas as vítimas denunciam esse tipo de crime, é esperado que essas estimativas estejam subestimando o problema. O medo de sofrer violência em espaços públicos contribui para a exclusão social de mulheres. Muitas desistem de estudar ou se candidatar a oportunidades de trabalho por falta de segurança no trajeto. O prejuízo é ainda maior para mulheres de baixa renda, moradoras de bairros com altas taxas de criminalidade e que normalmente possuem opções limitadas de transporte.

Por fim, existe a violência sofrida na esfera pública, a violência política contra mulheres. Esta se caracteriza pela agressão, assédio e manutenção de estereótipos que afirmam cotidianamente que as mulheres não pertencem ao espaço político. Considerando que o fenômeno da sub-representação feminina na política é especial-mente evidente no Brasil, onde as mulheres ocupavam 15% das vagas na Câmara dos Deputados em 2018, 11,6% das prefeituras e re-presentavam 13,5% dos vereadores em 2016, torna-se ainda mais relevante trazer esse tema para o debate público. Além de medidas que aumentem o interesse das mulheres em se candidatar para a política, é preciso pensar em ações que garantam que, quando eleitas, elas sejam capazes de exercer suas funções plenamente.

Como fazer o diagnóstico?

É um grande desafio entender a real magnitude do problema da violência de gênero, uma vez que os dados são subestimados. Devido ao medo, preconceito, machismo e dificuldade no reconhecimento desse tipo da violência, a denúncia e identificação da violência de gênero em dados oficias ainda é longe da ideal. O primeiro passo aqui é usar os dados que existem para entender a dimensão do problema.

Para fazer um bom diagnóstico, é preciso olhar os dados disponíveis de órgãos públicos sobre violência contra mulheres. Por exemplo, os dados do Ministério da Saúde, coletados e organizados de forma padronizada, indicam o número de mulheres que sofreram agressões, o tipo de agressão e as características dessas mulheres. Já os dados provenientes da Segurança Pública indicam o número de mulheres que estão buscando apoio da justiça. Com esses dados, é possível entender mais sobre os diferentes tipos de violência que as mulheres sofrem, como psicológica e moral, e também seu número de ocorrências. Lembrando que os dados disponíveis podem representar um pequeno recorte da realidade e que é importante trabalhar para melhor a produção de registros sobre violência.

Onde encontrar os dados?

1. Dados de Feminicídio e Estupro

Atlas da Violência (IPEA)

2. Dados de Agressões

DATASUS (Ministério da Saúde)

Dados de Violência Doméstica

Fórum Brasileiro de Segurança Pública

4. Dados de Demanda de Serviços de Atenção a Vítma

Secretarias Estaduais de Segurança

Como enfrentar esse problema?

Os número acima apontam a realidade violenta na qual as mulheres brasileiras estão inseridas. O avanço que tivemos até hoje se deu por meio da implementação de leis que punem abusos de todos os tipos, bem como através da introdução de uma série de políticas para prevenção de violência doméstica, como campanhas educacionais e assistência social para as vítimas. É importante que as prefeituras contem com uma secretaria ou subsecretaria concentrada apenas em organizar as políticas para mulheres.

Além disso, o combate à violência sofrida por mulheres deve passar pelo fomento de políticas públicas focalizadas por meio da integração entre diferentes órgãos governamentais. Tais políticas podem ser transversais, como no caso da redução da violência observada devido ao aumento do poder de barganha de mulheres em seus domicílios, possibilitando por um aumento de renda. Já no caso da violência nos transportes públicos, por exemplo, é imprescindível que existam políticas públicas de acessibilidade urbana que expandam as redes de transporte (tarefa da Secretaria de Transporte), assim como uma legislação que puna episódios de assédio sexual recorrentes na rotina de deslocamento diário das mulheres brasileiras (tarefa da Secretaria de Segurança).

Para além das medidas práticas no combate à violência contra a mulher, é importante trabalhar também as normas sociais, uma vez que um apoio maior a ideias igualitárias está associado à diminuição de violência praticada pelo parceiro.

Logo, como estratégia de médio e longo prazo para mudar normas socias referentes aos papéis de gênero e violência contra a mulher, é importante levar a discussão para dentro das escolas, buscando promover mudanças estruturais que reduzam a necessidade de medidas que reprimam a violência de gênero apenas depois de sua recorrência. A discussão sobre normas sociais nas escolas e na mídia como um todo pode ajudar a formar opiniões de gênero mais igualitárias entre adolescentes, faixa etária crítica para a formação de identidade, e assim criar uma nova geração educada para questionar estereótipos de gênero e discutir temáticas de igualdade, empoderamento feminino, direitos sexuais e reprodutivos.

Outra mudança de nome pode passar pelo treinamento e capacitação de funcionários. Voltando ao exemplo da violência de gênero em espaços públicos, as prefeituras podem (1) pressionar empresas de transporte público a fazer campanhas e treinar seus funcionários e (2) garantir que existem canais e denúncia adequados para as mulheres reportarem os abusos sofridos.

Que políticas os municípios podem implementar?

Salas Lilás (MS, RS)

A iniciativa consiste em espaços criados nas delegacias comuns para o atendimento de casos de violência doméstica e encontra a mulher, incluindo também o treinamento especializado para atendimentos das vítimas. Dado que muitos municípios não possuem uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), representa uma alternativa para atendimento diferenciado e qualificado de mulheres e crianças em municípios com altos índices de violência doméstica. Já em outros estados como RJ e BA, as salas lilás são espaços dedicados à violência contra a mulher no IML.

Casa da Mulher Brasileira

É uma inovação no atendimento humanizado às mulheres vítimas ou ameaçadas de violência doméstica. O programa integra, no mesmo espaço, serviços especializados para os mais diversos tipos de violência contra as mulheres: acolhimento e triagem, apoio psicossocial, delegacia, Juizado, Ministério Público, Defensoria Pública, promoção da autonomia econômica e cuidados para os filhos.

Salve Maria (Piaui)

Faz parte da Campanha Sinal Vermelho contra a violência doméstica. Foi criado um aplicativo para celular para proteger vítimas, que se cadastram apenas com o CPF e denunciam a violência a qualquer momento, de forma sigilosa, através de um formulário que permite também adicionar fotos do ocorrido. A denúncia é então avaliada por autoridades policiais que, no cas de violência iminente, notificam a delegacia mais próxima ao ocorrido para que envie uma viatura imediatamente.

Campanha de Monitoramento de Violência Política Contra Mulheres (Câmara dos Deputados)

Lançada em 2019, a campanha tem por objetivo combater a violência política de gênero. Para tal, definiu-se que o sistema de atendimento “Fale conosco” passe a ser responsável por receber denúncias, que podem ser feitas de forma anônima, a respeito de casos de violência política de gênero em órgãos públicos.

Prevenção à Violência Doméstica com a Estratégia de Saúde da Família (PVDESF) (São Paulo, SP)

Em uma parceria da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) com a Secretaria Municipal de Saúde, os Agentes Comunitários de Saúde são capacitados para, nas visitas rotineiras às famílias, dar informações e orientações sobre violência doméstica, a Lei Maria da Penha, medidas preventivas e saúde da mulher.

Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (CMDM) (Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Joinville e Vinhedo)

Órgão colegiado permanente, propositivo e fiscalizador de políticas públicas municipais dirigidas às mulheres, visando monitorar e avaliar tais políticas, assim como indicar diretrizes  para a política municipal de promoção de igualdade de raça, etnia, orientação sexual e combate à discriminação contra mulher. Os integrantes são representantes de movimentos das mulheres, ONGs, grupos e entidades de defesa dos direitos da mulher, além de usuárias dos serviços da saúde, assistência social e outros destinados ao atendimento de mulheres.

Exemplos de Projetos de Leis Municipais

Lei Municipal 17.320/2020 (São Paulo)

Criou o auxílio-aluguel para vítimas de violência doméstica em extrema situação de vulnerabilidade, cujo caso de violência seja enquadrado pela Lei Maria da Penha.

Lei Municipal 10.989/2016 (Belo Horizonte)

Determina que a empresa responsável pela administração do sistema de transporte ferroviário urbano de passageiros no município fica obrigada a destinar um vagão exclusivamente para mulheres.

PL 417/2017 #ASSÉDIONÃOÉPASSAGEIRO (Rio de Janeiro)

Determina a criação de campanhas permanentes de conscientização e enfrentamento de assédio e violência sexual no Rio de Janeiro como forma de enfrentar os casos ocorridos em transportes coletivos no município.

Lei Municipal 6123/2017 (Rio de Janeiro)

Determina a obrigatoriedade de que veículos de transporte coletivo realizem desembarque de passageiras fora dos pontos fixados, depois das 22hs, sempre que solicitado, com o objetivo de reduzir os riscos à integridade física de mulheres no transporte público, autorizando o desembarque em locais mais seguros e acessíveis.

LEI MUNICIPAL 6.427/2018 (Rio de Janeiro)

Instituiu o programa “Maria da Penha Vai à Escola”, estimulando ações educativas na rede pública de ensino. A lei também prevê a intensificação das atividades na última semana do mês de novembro, mediantes palestras, debates e seminários.

LEI Nº 17.340/2020 (São Paulo)

Determina que o Poder Público poderá disponibilizar vagas de hospedagem em hotéis, pousadas, hospedarias, e semelhantes para mulheres em situação de violência doméstica durante a pandemia.

Evidência de Impacto

Lei Maria da Penha

Avaliações de impacto da Lei Maria da Penha mostram que a medida conteve uma tendência de aumento da violência doméstica contra a mulher. Estima-se que a lei preveniu um aumento de 19% em homicídios de mulheres dentro de casa, com um impacto ainda maior em municípios pequenos, onde o aumento prevenido foi de 39%. O efeito foi mais forte para mulheres negras e com menor nível de escolaridade.

Delegacia da Mulher

A primeira Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) surgiu em São Paulo em 1985. Até 2009, quase 500 municípios já tinham DEAMs. Um estudo do Banco Mundial mostra que a criação de uma DEAM no município está associada à redução de homicídios de mulheres, principalmente para mulheres entre 15 e 24 anos.

Casas-Abrigo para Mulheres Vítimas de Violência Doméstica

As casas-abrigo proporcionam para mulheres vítimas de violência doméstica um ambiente propício para que saiam do ciclo da violência. Um estudo qualitativo mostra que elas têm um papel fundamental no empoderamento, no desenvolvimento da autoconfiança e na autonomia financeira das mulheres abrigadas. Isso graças às campanhas de informação e ajuda para encontrar emprego, além do acompanhamento e apoio dos profissionais dos serviços assistenciais, como psicólogos e assistentes sociais.

Conselho Municipal da Mulher

Em 2018, dos 5570 municípios brasileiros, 1313 contavam com um Conselho Municipal da Mulher. Esses Conselhos combatem a discriminação promovendo atividades e ações educativas sobre o direito da mulher e igualdade de gênero. Um estudo avaliou a influência dos Conselhos no índice de casos e tentativas de estupro encontrando que, apesar de não terem levado à redução nos casos de estupro, os resultados apontam para uma influência positiva no número de denúncias. O estudo, baseado em uma análise descritiva, sugere que o efeito é fruto da criação de um ambiente de apoio e de discussão de políticas voltadas para mulheres vítimas de violência, deixando elas mais confortáveis para denunciar as agressões sofridas.

Evidência de Impacto

Experiência Internacional

Centros de Justiça Femininos (Peru)

No peru, com o intuito de reduzir a violência de gênero, foram criados centros de justiça nos quais são mulheres que predominantemente oferecem serviços legais e policiais, o que trouxe resultados positivos. Vítimas confiam mais em mulheres e, por conseguinte, as denúncias de crimes relacionados a gênero cresceu 40%. Além disso, o volume desses crimes reduziu em 10% (violência doméstica, homicídios de mulheres, feminicídios e doenças mentais, entre outros). Finalmente, existem efeitos intergeracionais que indicam que a presença de centros predominantemente femininos aumentam investimentos em capital humano de criaças.

Delegacia Feminina (Índia)

A criação de delegacias integralmente femininas aumentou as denúncias de crimes contra mulheres, em especial sequestros e violência doméstica, mesmo quando os índices de violência autoreportados não mudavam. Adicionalmente, houve um movimento de substituição de denúncias de crimes em delegacias gerais para denúncias em delegacias femininas, acompanhado por um maior uso de serviços de suporte a vítimas, corroborando a hipótese de que a presença de representatividade feminina aumenta a quantidade e qualidade da provisão de bens públicos preferidas por mulheres.

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